Home

 

 

 

 

O Verão em Jazz 2024 (*)

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Há muitos anos o jazz em Portugal tinha duas épocas: quando os músicos que vinham à Europa iam ou regressavam aos Estados Unidos, e nesse vaivém passavam por cá. Assim se fizeram os primeiros Cascais Jazz, no Outono, ou os Estoril Jazz, no Verão.
Muito mudou desde então, o jazz descentralizou-se e universalizou-se, as viagens são mais baratas, e em Portugal há músicos também. Agora há festivais todo o ano, mas o verão é, ainda assim a época privilegiada, mesmo se alguns deles, históricos, continuem a privilegiar o Outono ou a Primavera, como são os casos do AngraJazz, do Guimarães Jazz e do Seixal Jazz, do Valado dos Frades, Amadora ou o Campus Jazz de Aveiro.
Se bem que os festivais de jazz não possuam as mesmas características que os festivais pop, os festivais de jazz de verão procuram, como esses outros, aproveitar a maior disponibilidade do público no período das férias, garantidas as graças do estio. Há festivais de norte a sul e ilhas, há festivais para vários gostos, dirigidos para o grande público ou os mais jovens, mais jazz ou menos jazz, na grande amálgama da fusão e do mais comercial, e ignorarei os mais descaracterizados.   

 

Começo pelos festivais internacionais, ou que têm uma importante programação internacional, e incluo aqui o 50.º Festival Internacional de Música de Espinho (FIME), com uma programação variada e menos ortodoxa, mas onde o jazz está presente.
O FIME arranca dias 14 e 15 de Junho com dois concertos de entrada livre numa praça da cidade, do popular Omar Sosa à frente da Orquestra de Jazz de Espinho e Mário Laginha & Pedro Burmester a «Celebrar a Liberdade», e prossegue até ao fim do próximo mês no Auditório Espinho com vários concertos de jazz, música clássica ou de fusão de tipo diverso: o heterodoxo Uri Caine interpelará Mahler, o quarteto Sissoko/ Peirani/ Segal/ Parisien junta música do Mali com Jazz, Paquito D'Rivera traz-nos o colorido do jazz cubano, ainda a superestrela Hiromi, e um encerramento com a inimitável Dee Dee Bridgewater.

O Funchal Jazz é o único festival de jazz nacional capaz de reunir mais de 2000 pessoas num único recinto, mas ele faz quase isso três noites seguidas todos os anos. Ou quatro, como deverá acontecer este ano, de 4 a 7 de Julho. Uma verdadeira produção pop para uma programação de luxo, a começar na representação internacional: os trios de Vijay Iyer e Bill Charlap, o quarteto do fulguroso Miguel Zénon e o grupo de Joshua Redman com a cantora Gabrielle Cavassa. Mas as noites do Parque de Sta Catarina têm mais, a começar com o desafio dirigido aos manos Santos, Bruno e André, para tocar a sua música à frente da Orquestra de Jazz da Madeira; ao Madeira Jazz Collective, e ao Sexteto de Eduardo Cardinho.
Mas, antecipando a programação nobre do festival, pelo auditório do Jardim Municipal do Funchal desfilarão nos dias anteriores, em concertos de entrada livre, os grupos da jovem contrabaixista Juliana Mendonça, de Francisco Andrade, de Emanuel Inácio ou de João Paulo Rosado, muita animação, workshops, e as inevitáveis jam sessions, como não poderiam faltar num festival a sério. 

Com uma programação mais modesta, o Jazz no Parque do Barreiro decorre este ano num fim de semana apenas, de 28 a 30 de Junho, mas os motivos para a deslocação não faltam. A programação internacional tem os seus momentos altos com o trio do popular Kevin Hays, e a encerrar o festival um dos expoentes da berlinense ECM, o guitarrista Wolfgang Muthspiel. O jazz nacional está bem servido com o regresso de Tomás Pimentel como líder, os telúricos LUME, Clara Lacerda ou o Ensemble Robalo/ Porta-Jazz.

Julho é de Jazz, o festival de Braga, decorre de 4 a 13 de Julho, entre o pátio exterior do gnration e o Theatro Circo. Dos sete concertos programados, o destaque vai para encontro dos dois monstros John Scofield & Dave Holland, no dia 6; mas também o grupo de free jazz Irreversible Entanglements, um grupo que se inspira directamete no jazz radical dos anos 60; o trio de Amaro Freitas, um virtuoso inspirado; e ainda um projecto original de Carlos Bica, Bruno Pernadas e Mário Costa.  

O último dos festivais internacionais é o Jazz em Agosto, um evento de características muito próprias. Há jazz moderno e de vanguarda, música clássica, experimental e exploratória, oriental e antiga, subsariana, música de câmara, circular e minimalista, rarefações de blues e de jazz, improvisação livre, hardcore, e muito rock e pós-rock, funk, heavy metal e breakbeat, progressivo, punk, pós-punk, de tudo um pouco, assim nos dá conta o programa. Irregular, diria, com grandes concertos a par de objectos menores, o Jazz em Agosto tem um público fiel.
Para o público do Jazz o meu destaque absoluto vai para o concerto de abertura de James Brandon Lewis, «For Mahalia, With Love», um concerto diria obrigatório, uma homenagem muito pessoal à grande Mahalia Jackson. Outro grande concerto será o do quarteto jazz de Peter Evans, e, com algum risco, o The Locals «Play the music of Anthony Braxton». O nível de risco aumenta e o interesse de forma inversa, com os pianos de Sylvie Courvoisier & Cory Smythe, o Bill Orcutt Guitar Quartet, a Fire! Orchestra, o Black Duck, o Darius Jones fLuxKit Vancouver e os Dieb13 Beatnik Manifesto. A partir daqui estão por vossa conta.

De entre os festivais nacionais há a referir o Quebra Jazz, em Coimbra, o Bernardo Sassetti, e o Jazz no Parque da Maia, sendo que, à hora a que escrevo estas linhas, ainda não tinha sido divulgada a programação do Jazz na Praça da Erva, em Viana do Castelo, o Jazz e Blues de Seia, o Que Jazz é Este, em Viseu, a segunda edição do Jazz na Villa, em Azeitão, e o Jazz em Monserrate.

O Quebra-Jazz cresceu e tem o nome pomposo de Festival das Artes Quebra Jazz e inclui música clássica e outras coisas. Em 2024 abre a 17 de Julho com uma suite para orquestra de cordas e solistas de Luís Figueiredo, a que se seguem Mário Laginha e Pedro Burmester, e a Trilogia das Sombras dos Mano a Mano dedicada à artista Lourdes Castro, todos na Colina de Camões; regressando o jazz ao seu palco natural nas Escadas Quebra Costas. Concertos duplos até ao fim de Agosto, entre consagrados e jovens, o Zzaj Trio, o quarteto do guitarrista AP, os Themandus, o Quarteto João Freitas, o trio do vibrafonista Paul Santo e o Quarteto Miguel Valente; noites longas em Coimbra.

O Festival Bernardo Sassetti é um festival «itinerante», e este ano realizar-se-á no final de Julho no Teatro São Luiz, dois concertos por noite seguidos de uma jam session. O festival arranca na sexta-feira 28 com o veterano Carlos Barretto em solo absoluto, a que lhe segue o trio do americano a viver em Portugal, Aaron Parks. O dia seguinte abre com o João Barradas 4teto toca Bernardo Sassetti, a que lhe segue o Vértice Trio; e os Perséli e os frenéticos TGB de Carolino, Delgado e Frazão encerram o festival. 

Esta revista dos festivais de jazz de verão completa-se com o anual Jazz no Parque da Maia, um festival com uma programação não apenas nacional, mas também com um acentuado sotaque nortenho. Seis concertos ao longo do fim de semana de 14 a 16 de Junho, de entrada livre, com os Wiz, os Themandus, o Pedro Molina Quartet, o ensemble Catarse Civil e os Samurai Magazine.
Espinho, Funchal, Barreiro, Braga, Lisboa, Coimbra, Maia, Viana do Castelo, Seia, Viseu, Azeitão, Sintra, e mais haverá, é o Jazz em tempo de verão.  

Leonel Santos

* Este texto foi publicado no JL de 12 de Junho de 2024